“Precisamos ser semelhantes a Cristo
em sua Encarnação no que diz respeito à sua admirável humildade, uma humilhação
auto-imposta que está por trás da Encarnação. Em segundo lugar, precisamos ser
semelhantes a Cristo em sua prontidão em servir. Agora, passemos de sua
Encarnação à sua vida de serviço; de seu nascimento à sua vida; do início ao
fim. Quero convidá-los a subir comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última
noite com os discípulos, conforme vemos no evangelho de João, capítulo 13:
“Tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois,
deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos
com a toalha com que estava cingido”. Ao terminar, retomou seu lugar e
disse-lhes: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também
vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo” — note-se
a palavra — “para que, como eu vos fiz, façais vós também”. Há cristãos que
interpretam literalmente esse mandamento de Jesus e fazem a cerimônia do
lava-pés em dia de Ceia do Senhor ou na Quinta-feira Santa — e podem até estar
certos em fazê-lo. Porém, vejo que a maioria de nós fez apenas uma transposição
cultural do mandamento de Jesus: aquilo que Jesus fez, que em sua cultura era
função de um escravo, nós reproduzimos em nossa cultura sem levarmos em conta
que nada há de humilhante ou degradante em o fazermos uns pelos outros. Em
terceiro lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em seu amor. Isso me lembra
especificamente Efésios 5:2: “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se
entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”.
Observe que o texto se divide em duas partes. A primeira fala de andarmos em
amor, um mandamento no sentido de que toda a nossa conduta seja caracterizada
pelo amor, mas a segunda parte do versículo diz que ele se entregou a si mesmo
por nós, descrevendo não uma ação contínua, mas um aoristo, um tempo verbal
passado, fazendo uma clara alusão à cruz. Paulo está nos conclamando a sermos
semelhantes a Cristo em sua morte, a amarmos com o mesmo amor que, no Calvário,
altruistamente se doa. Observe a idéia que aqui se desenvolve: Paulo está nos
instando a sermos semelhantes a Cristo na Encarnação, ao Cristo que lava os pés
dos irmãos e ao Cristo crucificado. Esses três acontecimentos na vida de Cristo
nos mostram claramente o que significa, na prática, sermos conformes à imagem
de Cristo. Em quarto lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em sua abnegação
paciente. No exemplo a seguir, consideraremos não o ensino de Paulo, mas o de
Pedro. Cada capítulo da primeira carta de Pedro diz algo sobre sofrermos como
Cristo, pois a carta tem como pano de fundo histórico o início da perseguição.
Especialmente no capítulo 2 de 1 Pedro, os escravos cristãos são instados a, se
castigados injustamente, suportarem e não retribuírem o mal com o mal. E Pedro
prossegue dizendo que para isto mesmo fomos chamados, pois Cristo também
sofreu, deixando-nos o exemplo — outra vez a mesma palavra — para seguirmos os
seus passos. Este chamado para sermos semelhantes a Cristo em meio ao
sofrimento injusto pode perfeitamente se tornar cada vez mais significativo à
medida que as perseguições se avolumam em muitas culturas do mundo atual. No
quinto e último exemplo que quero extrair do Novo Testamento, precisamos ser
semelhantes a Cristo em sua missão. Tendo examinado os ensinos de Paulo e de
Pedro, veremos agora os ensinos de Jesus registrados por João. Em João 17:18,
Jesus, orando, diz: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao
mundo”, referindo-se a nós. E na Comissão, em João 20:21, Jesus diz: “Assim
como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Estas palavras carregam um
significado imensamente importante. Não se trata apenas da versão joanina da
Grande Comissão; é também uma instrução no sentido de que a missão dos
discípulos no mundo deveria ser semelhante à do próprio Cristo. Em que aspecto?
Nestes textos, as palavras-chave são “envio ao mundo”. Do mesmo modo como
Cristo entrou em nosso mundo, nós também devemos entrar no “mundo” das outras
pessoas. É como explicou, com muita propriedade, o Arcebispo Michael Ramsey há
alguns anos: “Somente à medida que sairmos e nos colocarmos, com compaixão
amorosa, do lado de dentro das dúvidas do duvidoso, das indagações do indagador
e da solidão do que se perdeu no caminho é que poderemos afirmar e recomendar a
fé que professamos”.
By John Stott
Fonte do original em inglês:
http://www.langhampartnership.org/2007/08/06/john-stott-address-at-keswick