sábado, 23 de outubro de 2021

Quarentena estendida

 



Segue a pandemia do Covid – 19 e com ela uma quarentena estendida. Sem mandar avisar, um minúsculo vírus entrou sorrateiramente e impôs uma mudança de cenário tamanha que, com um olhar assustado e sem entender muito bem, vejo o mundo dar cambalhotas! O que antes era normalidade tornou-se incerteza. O que antes era demonstração de afeto  tornou-se risco de contágio. O que antes era liberdade de ir e vir, tornou-se reclusão forçada. O que antes era segurança tornou-se temor. E a lista segue...

Nasci em 1966 em Brasília, numa família formada por um gaúcho e uma mineira, ambos funcionários públicos que me proporcionaram uma infância, adolescência e juventude extremamente feliz em que a estabilidade sempre existiu. Portanto, não é de se admirar que eu seja uma pessoa que ama ter controle da situação, antecipar eventualidades e permanecer antenada até quando não se faz necessário. Amo o previsível, o que se pode medir, o que se pode alcançar com minhas próprias mãos, até mesmo pelos outros. De repente, aparece uma pandemia que me convida a experimentar uma outra realidade, sem dar muita explicação. Encarar um horizonte incerto deixou-me atemorizada e entristecida. Ouvir choro e desespero das pessoas que começavam a ficar sem sustento, sem emprego e sem direito a saúde, quebrou meu coração. Reconhecer minha limitação e finitude nessas horas não tem sido nada prazeroso. Ver políticos famintos por poder e cegos ao povo que os elegeu, já me revoltava e num momento como esse, revolta-me ainda mais. Ver a morte prematura de tantos jovens e adultos deixa-me ainda hoje, profundamente aterrorizada.

Todavia, paralelamente a esse cenário, tenho podido encontrar motivos para agradecer: vejo-me cercada pelas pessoas que mais amo nesse mundo o dia inteiro! Vejo-me usando tecnologia de última geração  que me permite conexão diária! Vejo-me ajoelhada orando e podendo abrir a Palavra de Deus com liberdade todas as manhãs! Vejo-me respirando ar puro sem ajuda de respirador! Vejo-me sustentada diariamente por um Deus que me ama e com Quem posso ter intimidade! Vejo-me recebendo amor e atenção de pessoas com as quais nunca havia me relacionado no modelo presencial! Vejo-me abrigada num apartamento confortável com multiplas formas de lazer e bem-estar! Vejo-me usufruindo de um convênio médico de primeira linha que me permitiu passar pela Covid - 19 no conforto do meu lar, atendida por profissionais extremamente competentes! Ou seja, a pandemia do Covid -19, diferentemente de outros momentos por mim vividos, trouxe consigo alguns “vírus do bem” com os quais tenho positivamente me deixado contaminar: o vírus do amor, da boa convivência, do aprender coletivo, do se redescobrir, do adultecer, do superar, do repartir, do se fortalecer mutuamente, do agradecer sem cessar e tantos outros!

Contagiar e ser contagiada pelo quê?

Essa pergunta tem me acompanhado nos dias nebulosos e ensolarados dessa pandemia. Tento respondê-la sob a ótica dAquele que sustenta todas as coisas, reconhecendo o quanto sou frágil. Percebo que pandemias ja assolavam essa geração, porém, num outro nível e de outras formas. Percebo que o que mata é o que sai do coração e da boca do homem, como diz a Palavra. Percebo que isolamento sempre foi uma escolha para tantos que, embora cercados por pessoas, nunca se deixaram conviver. Percebo que podemos escolher do que nos proteger, mas nem sempre fazemos a escolha certa. Percebo que as máscaras sempre estiveram ocupando nossas faces, ainda que por períodos menores. Percebo que cuidar-se e cuidar dos que nos cercam não é tarefa simples como me pareceu há um tempo atrás. Percebo que a vida é uma dádiva e, portanto, digna de ser por nós acolhida, escolhida e vivida em sua plenitude, como nos oferece Jesus.   

 

"O ladrão vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância."

(João 10:10)